sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Who am I, Jackie Chan?



ASAD, Talal. Genealogies of religion: discipline and reasons of power in Christianity and Islam. Johns Hopkins Press. Baltimore and London. 1993.

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            What worries me is that the arguments exposed by this “anthropological chorus” (now joined by a chorus of historians) are not as clear as they might be. Thus, when Sahlins protests that local peoples are not “passive objects of their own history”, it should be evident that this is not equivalent to claiming that they are its “authors”. The sense of author is ambiguous as between the person who produces a narrative and the person who authorizes particular powers, including the right to produce certain kinds of narrative. The two are clearly connected, but there is an obvious sense in which the author a biography is different from the author of the life that is its object – even if it is true that as an individual (as an “active subject”) , that person is not entirely the author of his own life. Indeed, since everyone is in some degree or other an object for other people, as well as an object of others’ narratives, no one is ever entirely the author of her life. People are never only active agents and subjects in their own history. The interesting question in each case is: In what degree, and in what way, are they agents or patients?”(1993:04)

            Eu não sou muito paciente, o que de forma alguma responde à questão de Asad – até porquê não sê-lo por predileção não implica que não tenha que exercitar a mesma paciência que não considero como constituinte de meus impulsos mais característicos. O exercício da paciência se desdobra da desconfiança que nutro de quaisquer debates realizados em termos demasiado marcados e estabelecidos. Vem a sensação de que alguma coisa não foi dita e que, mais do que qualquer outra coisa, algum mal entendido foi posto de lado. O tamanho deste mal entendido me parece ser sempre proporcional à eminência parda que estabelece os termos do debate. Muito do que Talal Asad escreve em seu Genealogies of Religion , livro que considero muito bem-vindo ainda que tenha chegado muito antes de mim à cena antropológica, tem como alvo uma certa dimensão do empreendimento da disciplina. Nada estreita, esta dimensão que lhe serve de alvo é nada menos do que o mundo – não confundir com o planeta, assim como “todo mundo” não é sinônimo de “toda a população humana”, nem por força do hábito. Seja tomado como ordem capitalista mundial, sistema da modernidade-mundo, ecossistema ou ministério da Providência o mundo é o que há, o que é problemático desde que seja apontado, como se faz em uma etnografia, alguém lá fazendo aquilo. Ao considerar o divórcio deste com o outro mundo, seja ele qual for, é o corpo animado da apreensão dos dados dos sentidos a base que acolhe as diversas manifestações da sociologia como manifestação de uma noção de ordem suficiente – ainda que frequentemente imaginada como algo diferente de uma ordem necessária, recusa de onde se desdobram algumas dimensões da dialética, especialmente a parcela da imaginação revolucionária precipitada no século XIX europeu na qual tudo parecia passivo de ser melhorado, especialmente a natureza, com ênfase na natureza humana perféctil. No mundo seguramente , e tentado por ele ou de outra forma, intuído a partir da experiência que permite que se trabalhe com um denominador comum. Comum? Asad diz que não.
            O livro parte de uma acusação que recai nas costas de Clifford Geertz, demasiado liberal e, portanto, profundamente protestante (na verdade, moderno) no seu esforço de compreensão dos conceitos de “religião”, simbolismo, cultura e mesmo cérebro e evolução humanos. Dito de outra forma ele soa algo kantiano para um programa pragmático de pesquisa – programa Asad endossa sem fazer alarde. A crítica que ainda não apresentei, vai nesta direção e, ainda que pense não ser descabida, desconfio. E desconfio por não estar certo sobre o que está em jogo e porque é preciso ir além compreendendo o que é que Asad pretende elucidar, quais eram os objetivos de Geertz visando aprender com o debate (na verdade, a acusação) algo mais do que a ladainha lastimável a respeito dos autores superados, frequentemente convertidos à condição selvagem de idiotas.

            Desde a introdução Asad pergunta quem é o agente da ação. Ora, se pensarmos na mesma matriz kantiana que dá forma a uma teoria da ação social, quem age é sempre o sujeito compreendido pela predicação que reconhece e determinar o evento em questão, os modos de ação e de causalidade. É por questões metodológicas que Max Weber recusaria a filosofia à moda de Tabacaria de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos que, no silêncio das maquinações de um cérebro solipsista ousou pensar filosofias que nenhum Kant ousara[1]. Se não opera como forma socialmente orientada da comunicação – isto é, orientada pela organização social do trabalho e suas formas políticas -, a intimidade da convicção não interessa. Não à sociologia que visa conhecer o conhecimento, mesmo aquele que reside no que é socialmente implícito.
            Ao mesmo tempo, esta mesma sociologia está atrelada à soberania do calvinismo que soube contestar a eucaristia traduzindo o sacramento, não mais por via da transubstancialização mas pela forma simbólica da boa ficção de articulação abstrata. É como se fosse o corpo de Cristo, então, sem sê-lo todavia. Chegamos ao simbólico que constrói também o tipo de reduto que, radicalizado à insignificância do sentido, vai ser chamado de prison house of language por Fredric Jameson ou, ainda mais dramático e poderoso, como gaiola de ferro por Max Weber. A linguagem é então o que comunica, antes de mais nada a condição humana ao comunicar, antes de mais nada a humanidade cuja constituição trágica (ou absurda, via Camus; O mito de Sísifo) faz com que nos desinteressemos pela hipótese de um caranguejo resolver equações  de segundo grau (Miguel de Unamuno; O sentimento trágico da vida). O inexprimível e o caranguejo seriam algo equivalentes. Animália et idiotia.
            A noção de agência contraposta à de ação permite, na verdade, demanda que se faça uma relação com o que não se compreende imediatamente como simbólico de forma a reconhecer que das ações humanas o autor da mesma em sua dimensão ulterior – o mundo – pode não ser humano. O agente do ator pode não ser ele, ou não exatamente dissociando, de um ponto de vista que escapa do normativo à forma de uma disjunção potencial. É esta mesma que permite o tipo de investigação de Ian Hacking sobre personalidades múltiplas, o que em sua análise pode ser uma coletânea de várias pessoas que são menos do que uma, cada uma. Ser menos do que um inteiro pode ser o suficiente para produzir agência (Rewriting the soul).
            A tensão aumenta quando o que está em questão é o que, ou quem está lá. “Lá”, naquele local retoma os termos de Geertz, a saber, sobre o conhecimento local (local knowledge) – o que retoma, à primeira vista, a matriz kantiana na qual o exercício crítico que circunscreve sua investigação à esfera da predicação é também um exercício relativo à elaboração de uma teoria do conhecimento que promove hermenêutica de segundo grau (Hans Ulrich-Gumbrecht; A modernização dos sentidos). Esta premissa é questionada nos termos da abertura fornecida pelo programa de pesquisa investido de agência. Mas a noção de “local” permite que se possa compreender melhor a diferença de projetos e a diferença que a diferença produz com relação à tensão entre Asad e Geertz. Isto porque “conhecimento sobre povos locais não é ele mesmo o conhecimento local” (Asad, 1993:09). Ao mesmo tempo é de Geertz a afirmação de que o objetivo da pesquisa de campo não é estudar a aldeia mas estudar na aldeia (frase redigida em ensaio publicado no intervalo de tempo entre os livros The interpretation of cultures e Available light que, lamentavelmente, esqueci qual). Esta disjunção me leva a perguntar sobre quem é esta personagem que Asad monta e até qual ponto ela tem identidade com Geertz em primeira pessoa, autor de seu próprio texto.
           


[1] “(...)Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.(...)