sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Notas do subterrâneo: Livros que ensinam a ler.


KARDEC, Allan. Spiritisme expérimental – Le livre des médiums ou guide des médiums et des évocateurs contenant l’enseignement spécial des esprits sur la théorie de tous les genres de manifestations, les moyens de communiquer avec le monde invisible, le développement de la médiumnité, les difficultés et les écueils que l’on peut rencontrer dans la pratique du spiritisme. Didier. Paris. 1862.

BORREIL, Jean et. al. Les sauvages dans la cité : auto-émancipacion du peuple et instruction des prolétaires au XIXe siècle. Paris. Champ Vallon. 1985.
           
            “On se tromperait également si l’on croyait trouver dans ce ouvrage une recette universelle et infaillible pour former des médiums. Bien que chacun renferme en soi-même le germe des qualités nécessaires pour le devenir, ces qualités n’existent qu’à des degrés très différents, et leur développement tient à des causes qu’il ne dépend de personne de faire naître à volonté. Les règles de la poésie, de la peinture et de la musique de ceux qui n’en nt pas le génie : elles guident dans l’emploi des facultés naturelles. Il en est de même de notre travail ; son objet est d’indiquer les moyens de développer la faculté médianimique autant que le permettent les dispositions de chacun, et surtout d’en diriger l’emploi d’une manière utile lorsque la faculté existe. Mais là n’est point le but unique que nous nous sommes proposé. »(1862 :VI)

            Este é um dos parágrafos de abertura do livro dos médiuns redigido por Allan Kardec, cuja função, e a noção de função é sobremaneira importante, é a de orientar a formação de novos médiuns, assim como levar adiante o desenvolvimento dos médiuns já em atividade. Um meio para promover médiuns é, para além da redundância do conceito, uma nota a ser considerada sobre a formação de uma rede de mediações. Não tendo contraído, este trabalho, nenhuma dívida com a noção de rede das mais difundidas a partir da obra de Bruno Latour, com a exceção do emprego da noção própria, a de rede, não há alternativa senão fazer ressoar aquilo que o próprio termo, o que o conceito mesmo, produz. No caso, aponta para mediações. Não é preciso ir muito longe. O médium é o meio. Meio termo, meio caminho, intersecçor. No Cours de Linguistique Générale de Saussure, o meio é o signo na forma do significante, que se interpõe entre o significado e a coisa, o que é algo semelhante à conduta da semiótica na qual é signo é o que se coloca entre o objeto e o interpretante, no caso levarmos à sério a designação de Charles Sanders Peirce. É o caso. Desde o começo, este trabalho diz respeito a um episódio em que é a virtude e os vícios dos meios que oferecem a cena da qual parti e para a qual, aos poucos, devo voltar apontando algumas das não poucas aporias da mediação, mais especificamente de quando da precipitação do que Carlo Ginzburg chama de emergência do paradigma indiciário. De uma forma geral, segue impondo o problema da presença daquilo que acontece, do que age à distância, e o tipo de problema desencadeado exatamente pelo interpretante que, mais do que simplesmente interpretar, interpreta sua forma de interpretação em uma forma de hermenêutica de segundo grau que tanto interessa Hans Ulrich Gumbrecht e sua definição de modernidade epistemológica (1998). Interpretar não basta, e interpretar o símbolo não é o suficiente. É necessário interpretar a interpretação e o interpretante, o que nos permite, em filosofia, tecer analogias com David Hume, Immanuel Kant e mesmo René Descartes. É significativo que todos eles tenham sido apontados como uma base para a reflexão sobre os meios, seja com relação à sua parcialidade com vistas nas associações analógicas, seja com relação às suas condições de possibilidade com vistas na razão, ou mesmo fazendo coincidir o meio como o caminho, como método.
            A felicidade de lembrar de Descartes e a noção de método é enorme exatamente porque o livro de Kardec segue aquilo que é sua marca como redator de cursos e ditados de diversas disciplinas de quando, ainda assinando o nome Rivail, exercia a atividade de pedagogo. Rivail era autor de manuais para formar auto-didatas num tempo em que a mera proposta deste tipo de trabalho oferecia um desafio a um componente da autoridade da ordem pública, uma certa imagem da figura do professor. Não muito distantes da Revolução Francesa, a mesma que destituiu juízes, padres e toda sorte de mediadores de seus cargos dissociando autoridade e poder, um projeto paralelo e igualmente ambicioso toma forma, ocupa lugar. Jules Michelet escreve, em uma carta de 1850, sobre a ausência de condições de educar o povo sobre quem tanto escreveu das mais diferentes formas. Sendo ele o redator de uma Histoire de la Revolution Française em que a tomada da Bastille é narrada com sinais que fazem confundir Graça, Predestinação e Vontade Geral, Michelet seguiu preocupado com a educação popular que não se movia do lugar, mesmo a uma distância suficientemente grande do momento revolucionário original. Charles Renouvier, ainda em 1848 já clamava por uma população que contasse um legislador, um cidadão, fazendo coincidir um e outro na mesma figura, produzindo a marca da catequese civil que ele mesmo redigira. O limite, aquilo que configurava o horizonte inultrapassável era o índice altíssimo de analfabetismo que, somado à carência de instituições de ensino, ameaçava a utopia republicana com um cerco cada vez mais opressor. O futuro parece não chegar, apesar da revolução tardia de 1848.
            O mesmo ano de 1848 data a redação e envio de uma carta redigida por Rivail e remetida ao ministro da Instrução Pública, Carnot, na qual se formaliza a demanda pela universalização da oferta da Educação Livre, isto é, para que as disciplinas universitárias pudessem sair do monopólio da igreja católica fazendo com que outras instituições produzissem uma nova oferta. A atividade de Rivail, junto a isto, acumula no curriculum uma série de publicações destinadas à instrução de auto-didatas. Cidadãos-legisladores, diz Renouvier; Roman Chapelain redige uma história abreviada do direito constitucional francês, conduzido o leitor à síntese do tempo jurídico pois, afinal, o leitor deve conseguir legislar. Mas, leitor?
            Esta pergunta, ¿leitor?, está presente em uma safra de historiadores do porte de Roger Chartier, Jean Hébrard, Jean-Yves Mollier e Carlo Ginzburg, pois das fontes bibliográficas que lemos e a força que tem em nossa imaginação do tempo passado – que provavelmente não foi passado por ninguém -, a pergunta relativa a “quem é que de fato lia?” assume novos contornos quando levamos à sério a inquietação de Michelet que, a despeito de quaisquer poréns com seu entusiasmo com a Revolução Francesa, era atento e observador com aquilo que o cercava. E o que o cercava era o povo, o mesmo que merecera a dedicação do porte de obras-primas historiográficas, como Le Peuple e La Sorcière, este um livro que não creio me cansar de elogiar. Este povo, elogiado por um sem número de elogios era, à luz dos tempos das Luzes, ignorante porque analfabeto. Sem escolas suficientes e sem um esforço prioritário em transformar o cidadão num conhecedor íntimo das leis e da administração da República que aparecia e desaparecia do horizonte, a imaginação pedagógica mais do que vislumbra, desenvolve a pedagogia do mestre ausente.
            Seguramente que a ausência do mestre pode ser medida em formas de responsabilidade, como a da extinção e, posteriormente, lenta reincorporação das instituições de instrução católicas. Ainda assim, a noção de universalização do ensino se transforma, mais do que numa pauta, em algo que soa necessário ou, no caso do exercício espírita, o próprio destino humano em seu flerte desencontrado com a inteligência e coma  sabedoria. Com o mestre ausente e com o tempo acelerado em que, por decreto todos somos modernos, os livros que ensinam a ler deixam de ser mera elucubração para se transformar, a partir dos esforços de Joseph Jacotot, num meio de produzir a república. Livros que ensinam a ler.
            Não são poucos os pressupostos e meandros técnicos que instituem livros assim, e alguns deles merecem uma investigação mais profunda do que uma introdução ligeira ao tem oferece. Mas, seguramente merece atenção o fato de que todos as requisições deste tipo de projeto, todas as sutilezas que fazem do livro para auto-didatas um gênero específico, estão presentes na produção de Rivail quando, mais tarde, assina por Kardec. Livros para auto-didatas ensinam o método do método, o mode d’emploi do mode d’emploi, especialmente quando o que se usa é soi-même como meio de alguma outra coisa, sejam espíritos, o alfabeto ou mesmo a República que, por diversas razões, insiste em não chegar e, quando chega, chega com ares de quem vai partir. 


(alguns detalhes sobre Joseph Jacotot, esse ancestral do Instituto Universal Brasileiro, está no capítulo redigido por Patrice Vermeren de Les sauvages dans la cité chamado, sugestivamente de Rien n'est dans rien ou tout le monde sait la logique.)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A primeira noite de domingo do demiurgo manco


Primeira Página - Ele fez o céu e a terra, diz a lenda. E povoou com um tipo indistinto de gente que mal sabia saber aonde um corpo terminava e aonde começava o outro, todos muito juntos e grudados ao pé da terra. Do céu e da terra, o sol participa fazendo ressecar os corpos e rachar as juntas da grande indistinção, fazendo não somente trincar as partes e multiplicar as gentes, mas envelheceu a todos que desmancharam rapidamente. Sem mais. O demiurgo fez tudo muito rápido, chegou atrasado em sua própria criação e, assim, descobriu o mundo. E descobrir é inapelavelmente chegar atrasado. O mundo ainda estava lá, mas muito quente e não tinha dado tempo de chover e a água estava muito longe daquela gente rachada que era, no final das contas, pó e sopro que se movia ao sabor do vento. Rachados e quebradiços em velhice precoce, vieram a se transformar em pó. De um grande corpo indistinto, o vento varreu a gente uniforme fazendo dela uma enormidade de grãos de areia voadora. Uma nuvem à rés do chão. Tudo muito rápido e forte. O sopro do vento que levou a todos era muito forte, porque o demiurgo manco era muito poderoso e senhor de todas as coisas que criava – não havia ele criado tudo, mas só algumas coisas que gostava, como a gente indistinta que, por atraso do demiurgo que se distraiu com outras criaturas, veio a rachar ao sol. E soprou o vento que levou a nuvem toda da rés do chão, todos acelerados, e já longe do alcance do demiurgo manco que ficou sem ter com quem caçar. Não caminhava bem, o coxo, e fazia companhias no calor do desejo de mera conversação e companhia. E sempre apressado, povoava o mundo com uma gente feita de improviso que, no final, sempre se viam forçadas a viajar mais rápido do que o criador. Não corria, o demiurgo. O que ele fazia mesmo, e muito bem, era arcos. Arcos perfeitos, daqueles em que a flecha que parte não é a flecha que chega, artigo de primeira necessidade em um mundo em que os braços ainda não existiam, criando a primeira classe de sacerdotes-caçadores que sabiam atirar flechas-de-chegada. As flechas de partida estavam nos braços que o demiurgo manco nunca houvera de criar. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Notas do subterrâneo: vejo mortos por todos os lados

Alberto Giacommetti, meu vizinho, tomando chuva na Avenue Alésia, esquina com  Hyppolite Maindron. Na verdade, não é aonde ele está, mas é como se fosse. Fotografia de Henri Cartier-Bresson. 



KSELMAN, Thomas A., Death and the afterlife in modern France. Princeton. Princeton Press. 1993.

            Vim a Paris com a mala cheia de mal-estar, preconceitos e outras virtudes. Como soem às virtudes, as que nutro pela França parisiense – e creio que todas as vezes em que eu escrever França, parece que faço alguma delação de Paris – me causaram alguns prejuízos. Felizmente, até então, nenhum de entendimento. Sendo compreender alguma coisa o meu trabalho, tenho dormido mal. Mas não por isso. Durante os meus primeiros 6 meses em que estive na Cidade Luz jamais consegui abandonar a impressão de que morava em um Museu do qual não consegui encontrar saída que não fosse as Portes que levam o transeunte a extra-muros. Seguramente, os edifícios (bâtiments) legendados não ajudam a fazer vazar essa impressão que só fez fortificar. Por todos os lados da Paris intra-muros há placas indicando alguém que fez algo digno de notificação museográfica que por ventura veio a residir no endereço, ou mesmo que um evento de proporções ainda maiores veio a se dar singularizando-o como signo da Grande História Francesa, como o caso das crianças judias que foram entregues pelas escolas em que estudavam direto para o extermínio nazista em movimento capitaneado pelo governo Vichy. Assim, como parto do egoísmo que só se justifica por ser moeda de troca, posso dar minha direction, 53 Rue du Moulin  Vert – 75014. Estou, no instante em que redijo essa nota, a pouco mais de 20 metros do bâtiment que veio a abrigar Alberto Giacommetti por toda a sua vida artística. Esta mesma casa está a pouco mais de 20 metros, por sua vez, de onde Henri Cartier-Bresson fotografou o escultor italiano encapotado até as orelhas, atravessando a rua Hyppolite Maindron, cruzamento com av. Alésia. Se atravesso em direção contrária ao caminho tomado por Giacommetti eu chego até a boulangerie aonde compre baguette todos os dias que, como todas as demais enfatizam que é possível comer pão como outrora, isto é, à la tradition. No papel de embrulho da Fermière Blonde, ou da Loira é possível encontrar uma criança emburrada com os cotovelos jogados sobre a mesa. A fotografia está do lado do slogan “ON NE TOUCHE PAS À MA... TRADITION!”.  Também não foi difícil descobrir que no hotel Brésil, ao lado do Jardim de Louxembourg, o notável Sigmund Freud gastou uns trocados para residir dois ou três meses. E eu aqui, por 6 meses, contados no relógio.
            Sei que a idéia de um mero museu soa desonesta, preconceituosa e injusta, porque tem todo um universo se fazendo ao redor, com pessoas vivendo suas vidas e criando a tudo e a todos na medida do possível. Entendo. Mas quero dizer que isso não tem nada a ver com Paris. Recebi desagravos por correspondência diretamente do Ministério da Cultura por causa do que vinha falando nestes últimos meses, enfurecendo alguns cidadãos mais articulados com a vida cultural da cidade. Fui acusado de tétrico. Vale notar que a ideia, à época, estava apenas em gestação. Não me entendam mal. Fui mal compreendido. Não é possível dizer que se trata de um museu a céu aberto se não incorporarmos a dimensão de que se trata, no limite, de um cemitério perfeitamente cercado no qual a honra e a glória da França se manifesta pela referencia lapidar do culto aos mortos. Por todos os lados. Os heróis, os justos, os injustos, os anônimos e mesmo, os desconhecidos e os inventados.
            A nota 55 do capítulo 4 de Thomas A. Kselman é incrivelmente didático com relação a isto.

            “The political and social implications of the cult of the dead as developed over the part three centuries are treated in a number of the essays in the recent collections edited by Pierre Nora. Although the work of Nora and his collaborators is scholarly in its design and presentation, it can also  be seen as the latest manifestation of the cult of the dead that it examines. See Mona Ozouf, “Le Panthéon – l’École normale de morts », in Pierre Nora, ed. Les Lieux de Mémoire, vol. 1, La République (Paris: Gallimard, 1984), 139-166; Jean-Claude Bonnet, “Les Morts illustres – Oraison funèbre , éloge académiques, nécrologie”, in Pierre Nora, ed. Les Lieux de Mémoire, vol. 2, pt. 3, La Nation (Paris, Gallimard, 1986), 217-241; June Hargrove, “Les Statues de Paris”, in ibid., 243-282. For an overview of the political uses of funerals from the revolution through the Third Republic see Ben-Amos, Molding th National Memory. For the revolution see also Albert Soboul, “Sentiment religieux et cultes populaires pendant la revolution: Saintes, patriots et martyres de la liberté”, Archives de Sociologie des Religions 1 (1956), 73-87”.

            Resta saber um coisa, digo, com relação a quem cada monumento faz relação. O leão da Place Denfert-Rocherau é o símbolo do esmagamento da revolução de 1871, conflito que culmina no maior óbito civil do século XIX francês. Deste símbolo monumental e ainda mais solitário do que o da Place de la Bastille advém o frenesi das linhas perfeitas, a longa linhagem do urbanismo produzido pela Reforma. Digo, a reforma Haussmann, nome que é somente o bico do seio, a ponta do iceberg tal como meu amigo Mathias Schelp insiste em me lembrar. Republicana ou não, a França gótica enterra seus mortos com alarde.

O túmulo do Barão Haussmann, localizado em qualquer interseção ou boulevard. Fotografia de Refrator de Curvelo Guarani Kayowá.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Últimas palavras de um curso sobre romantismo


“... e por isso, e é difícil conseguir dizer qualquer coisa sobre isso, é que não se trata de uma vida dupla. Porque na verdade, é muita presunção que se possa ter isto, que se possa viver uma vida inteira. Esse tipo de partição e a angústia que ela provoca, o desespero de ser um só, o desdobramento do corpo por via de partes menores faz com que, ainda que otimista, se trate de uma meia-vida. O caso é que posto assim o otimismo se dissipa porque estaríamos falando do decaimento do Carbono da matéria já morta, Carbono o elemento de base da matéria viva. O que resta de otimismo nisso tudo, e que de alguma forma ainda pode ser belo tanto quanto é, seguramente, intenso, é o estado vívido em que a morte se apresenta, justificando a figuração, tantas vezes colegial, do tenebroso nas roupas em que o vestiu o romantismo em suas versões mais extremas e desgostosas. Álvarez de Azevedo, por exemplo. Um cadáver ambulante, amante de cadáveres expostos, para quem o turbilhão das paixões aumenta exatamente no decaimento da matéria.” 

– Ecuménico Fizsco; curso sobre "Matéria Amorosa". 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A vida com alarme


Era uma noite fria e escura. Ainda que tivéssemos aquecedor, luz elétrica, fonte regular de energia. Fria e escura. Não era menos noite fria e escura porque não estava, eu, no frio e no escuro. Ou que o frio e o escuro estivessem frequentemente fora de vista, intocados. Fazia frio, eu sabia. Ainda que inerte, encostado no canto do quarto, digitando toda sorte de coisas com vistas em passar o tempo lento das petites chambres, suando ao som das ondas de calor ejetadas de uma máquina seca, não era difícil induzir que algo ainda persistia, o que era o mesmo do que fora há 2, 3 horas atrás. As massas de ar são tão estáveis quanto os notórios limites da minha inteligência que, ainda que acorrentada pelo desinteresse, sabia. Era uma noite fria e escura. Era tudo o que eu poderia saber, tudo o que poderia passar, era tudo. Não era uma noite seca, não o suficiente para que fosse, noite e seca. Não chovia, não ventava, não se movia de si. Nem eu. E assim seguiu até que viesse a manhã que, por uma razão peculiar às longas noites de inverno, permitiu dizer que era um dia frio e escuro. O contágio se dá, às vezes, por inspiração, por um suspiro, por um espirro. E ficamos todos encostados no canto, frios e escuros protegidos pelo calor parado de um quarto pequeno, quente e iluminado. A isto quero chamar de laboratório. E ao resto, a vida de laboratório. Tão imediatamente quanto possível é preciso atentar à marca de que são quartos, quartos de dormir, salas de jantar, quartos, cuja regra básica de conduta está na observância das normas de segurança. Podem pegar fogo, e ninguém quer que isso aconteça.